CATEDRAIS DA SERRA

Chovia na escuridão quando a corte dos enamorados
Navegou serra abaixo num escorregador sombrio.
A realeza explosiva dos mananciais e aluviões
Erguia catedrais amarelo-azuladas em cada curva.
Contra o medo, contra as deficiências, contra a dor
Desciam conosco todos os humilhados da Terra.
Abençoados pelo ar rarefeito, refeitos das fobias,
Resplandesciamos com as esperanças e as utopias.

Que exprimir o bárbaro inscrito na pedra onde já secaram as espumas
Seja uma oração às suas feições
De rainha impugnada pelo destino.
Que exortar a luz das deusas que dormem inquietas em cada expressão sua
Seja outra oração que espalhará dúvidas desconcertantes
Nas lavouras absurdas de certezas mal ceifadas.
Que as escolhas irrevogáveis pairadas sobre as vertentes trêmulas da dançarina
Seja o último salmo dos cantochãos virados ao avesso pelas tempestades longínquas
Nos mosteiros de damas de musselina que guardam os segredos das infantas humildes.
Por que tanta vergonha de formatar a face poética nas indústrias e nas sociedades?
Por que gritam as sílfides se não precisam mais da memória para fartar o coração?

Onde não há utopia, não há futuro



Dom Pedro Casaldáliga tem sido uma voz firme na defesa de que, para o socialismo novo, a utopia continua.Ele fala do “absurdo criminal de constituir a sociedade em duas sociedades de fato: a oligarquia privilegiada, intocável, e todo o imenso resto de humanidade jogada à fome, ao sem-sentido, à violência enlouquecida”. Defende que, hoje, só a participação ativa, pioneira, de movimentos sociais pode retificar o rumo de uma política de privilégio para uns poucos e de exclusão para a desesperada maioria. Esquecemos fácil demais que a crise fundamentalmente é provocada pelo capitalismo neoliberal. Fecham-se as empresas, quando não conseguem um lucro voraz, e se fecha o futuro de um trabalho digno, de uma sociedade verdadeiramente humana.


O movimento social organizado, presente no dia-a-dia do povo, é sempre mais urgente, como uma espécie de “vanguarda coletiva”. Se entregar individualmente e em comunidade ou grupo solidário e ir fazendo real "um outro mundo possível”. O capitalismo neoliberal é raiz dessa crise e há somente um caminho para a justiça e a paz reinarem no mundo: socializar as estruturas contestando de fato a desigualdade socioeconômica, a absolutização da propriedade e a própria existência de um Primeiro Mundo e um Terceiro Mundo, para ir construindo um só Mundo, igualitário e plural.Onde não há utopia não há futuro.

O MST completa seus 25 anos de luta, de enxada, de poesia, de profecia ao pé da estrada e da rua. Segundo muitos analistas o MST está sendo o movimento popular melhor organizado e mais eficaz . Sabe muito bem o MST que “a terra é mais que terra”, e por isso está se voltando na conquista comunitária da terra, na educação de qualidade, na saúde para todos, numa atitude permanente de solidariedade, em colaboração gratuita e fraterna com todos os outros movimentos populares. Recordando a palavra de Jesus de Nazaré: “não podeis servir a Deus e ao dinheiro”; não podeis servir ao latifúndio e à reforma agrária. O latifúndio continua a ser um pecado estrutural no Brasil e em toda Nossa América. Que o MST continue a ser um abanderado desse “socialismo novo” e no feitio de uma nova América.


Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia

Trechos da entrevista concedida ao Brasil de Fato.


A MISSA DOS LEÕES



Quando estou em seus braços, penso em direitos humanos.
Iria para o campo aberto ver a dor dos desatinados
Se pudesse ficar mais uma tarde em seu colo.
Pousar em seus braços e ver a dor do mundo:
Condição que eu lutei todo o tempo para ter.
Quando fico com ela, parto rumo aos humilhados da vida.
Vivi! depois que a moça da vila me desembriagou,
Me fez pertencer à família dos que sabem ser feliz,
Me suspendeu até o lugar de onde eu havia desabado,
E reativou minhas redes de pesca de alto oceano.
Me acompanhou como uma leoa,
Foi minha juba direita,
Devolveu-me a vida,
E se foi...
Um desenlace de pura ousadia me fartou de agonia.
Atirado ao chão, ela jogou no mesmo tom minhas palavras de poeta.
A princípio lutei para viver assim.
Depois fui amolecendo, amolecendo
E pus a vila perdida dentro de mim.

Nem todo mundo enxerga o olhar do outro,
Nem todo mundo vence os sentimentos,
Nem todo mundo quer amar.
Precisamos provar que podemos e devemos amar sem rancor!
Por isso espero! A vida está voltando.
A Rua dos Araújos é apenas um atalho para os direitos humanos.
Onde estava? Sumi por causa de uma jovem e da dor do mundo.
Elas precisavam de mim.
Agora eu que preciso de seus braços...
Missão, mania de leão.

desjejum de vila


Casa 7. Café da manhã de nenhuma manhã.
Frugal e colorido como um bom desjejum de vila.
Será um dia de reunião.
Todos chegarão para a festa na cidade abençoada por São Sebastião.
Poderia chamar-se romaria do vento sul ou procissão do acordo vital.
Mas qualquer nome seria lunático perto do que realmente é.
As pessoas trabalham por esboçar rascunhos de novo mundo.
É para todos. Ação de estender mão na mão na mão do outro.
Estas palavras não cabem na tarefa que é realizar a festa,
porque transitar pelas fronteiras de uma nova economia baseada na solidariedade é coisa de ar rarefeito.
Haja fôlego pra chegar ao topo da montanha e transpor os valores deixados pela insensatez de nossos antepassados.
Agora mesmo a humanidade está gravida de futuro. A imaginação dessa gente é sêmen de fecundar novos tempos.
Semelhante é cada um que chega pra somar parcela. A cor do sangue é mais justiça que vermelho.
Justiça essa, é atenção ao próximo.
É acordar a tempo de ver nascimento da palavra irmão despontar aurora.
Toda lágrima será de alegria por viver descalços na Terra a dizer poemas de cheganças.
Chorar porque o que nos dá pedaço de chão não é o nome do deus ou a quantidade de acúmulos materiais.
Sorrir pelos que estão vivos a brincar nesse festejo.
Festejar pela possibilidade da paz.
E chegar numa grande praça: a liberdade.
Dali saem muitas ruas, que levam a diversos sonhos de um mundo real formado por diferentes culturas.
É uma vida imaginada por canetas de corações que amam.
Seres humanos são tinta da história.
Coragem é colorir: sendo - um outro mundo possível.