A correspondência
















9 horas. Na manhã azul turquesa o homem acorda de um sonho nunca dormido. No primeiro pavimento em mosaico ele está a regar o jardim de acácias. O homem é lembrança de estradas, encontro de rios, pétala aveludada de flor e é também uma grande porta. Há ainda uma escada, por onde subo. Avisto algo em suas mãos: a carta. Um dia chega. Chegou hoje:


Homem amado:


Amo-te cálida com todos os órgãos, enquanto imagino as crianças livres a correr na vila. Tua luta expande-se nestas palavras. Esta que sou procurando-te destemidamente, dá-se a encontrar comigo mesma: ávida. Não me furto disso. Ausência. Desatino. Ausência. Desatino. Ausência. Insones vésperas do quando: quando em teus braços? Reminiscências insanas do porvir. Quantas injustiças humanas seremos testemunhas no passo largo de nossa distância? Ainda recordo-me a ardência de nossas lutas. Há uma urgência em meu peito. Igualdade conclama praça. Soldado raso não é. Patente alta de quem pode ordenar. Conquista esta, é coração querer mais pra descobrir tamanho que tem. Este escrito de amor e liberdade perde-se no tempo, à medida que avançamos. E tu podes perguntar, amado homem: para que derramar o magma do sangue em calorosas cartas, se já não temos tempo para romances juvenis. Mas se eu não juntar essas palavras sentir-me-ei muito mais sozinha.


Até o nosso reencontro,
Miosótis


Correspondência e homem face a face: em voz alta o pensamento escapa: te quero ao meu lado!


O papagaio Nhô Dedélo – morador da casa três, retruca: - “te quero ao meu lado! Te quero ao meu lado!”


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